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Escola filantrópica contrata seguros para proteger crianças carentes de Maceió

16 de outubro de 2016

gazetaweb-larissabastos-seguro2Na Rua Padre Cícero, no Henrique Equelman, um muro branco de portões azuis pode passar quase despercebido para quem anda por entre o barro e o esgoto a céu aberto em mais uma das vias pouco asfaltadas da capital alagoana. A poeira dá ao lugar a cara da periferia de Maceió, cidade com um dos mais baixos índices de saneamento do Brasil: apenas 37,20%. Mas, na casa de número 500, uma nova realidade é construída dia a dia para 150 crianças.

É no endereço que funciona o Centro Educacional Miosótis, fundado em 1992 com a finalidade de prestar auxílio a jovens de baixa renda que acabam fora das salas de aula por causa da diferença na relação idade-série. Idealizado por uma brasileira e um francês e mantido com o apoio de uma instituição suíça, o espaço atende a um público de sete a 16 anos, gente moradora dos 27 grotões da região.

Mas, por lá, a assistência vai além da educação. No local, crianças e adolescentes recebem atendimento psicológico, odontológico e estão resguardados até em casos de acidente. Todos os 150 estudantes são beneficiários de algo ainda pouco conhecido: o seguro de responsabilidade civil. Mesmo não obrigatório na legislação alagoana, ele é mantido pela entidade e garante nada menos que proteção.

“Esse é o seguro que lhe ampara judicialmente em casos de eventos e ações que sejam da sua responsabilidade, como uma árvore que cai na escola e machuca as crianças. A assistência médica e o eventual prejuízo esse seguro cobre”, afirma o corretor Diogo Assis, da Fanal Corretora de Seguros. “O mesmo se você faz um evento na escola, pega fogo e essas chamas se alastram para o vizinho; o seguro cobre também”, acrescenta.

Ele explica que a responsabilidade civil é um seguro de reparação pecuniária (financeira) que cobre qualquer prejuízo causado tanto a alguém que esteja sobre seu cuidado quanto a terceiros incluídos na apólice – compreendendo aí até mesmo animais ou equipamentos. Ao contrário de muitos outros, ele não é um chamado “seguro de acordo”, mas, sim, de reembolso.

“Ou seja, ele é pago após o transitado em julgado; após perder a ação na Justiça é que você aciona o seguro e ele reembolsa essa quantia que eventualmente você venha ser condenado a pagar. Não é a situação de causar prejuízo e acionar o seguro”, expõe Diogo, responsável pelas apólices do Miosótis. “As crianças são as protegidas de danos. A segurada é a instituição e as beneficiárias são elas, os funcionários e os demais agentes envolvidos diretamente ou não no funcionamento da instituição”.

O corretor exemplifica que, caso um dos alunos escorregue em um corredor molhado e se machuque, o seguro cobre as despesas médicas. O mesmo vale para uma reação alérgica a uma comida da cantina. “São muitas situações que podem acontecer em uma escola. É só você lembrar de quando você era criança. Os pais não sabem que, na verdade, o colégio que deveria ter arcado por aquilo”, ressalta.

O seguro, aliás, pode ser feito também por profissionais liberais, como médicos, advogados e engenheiros. Jornalistas, por exemplo, podem contratá-lo como proteção contra condenações por matérias que tenham escrito. “É muito barato profissionalmente. É até inadmissível que um seguro tão barato não seja tão popular e tão vendido em massa. Quem mais adquire são os médicos e depois contadores e advogados”.

Ao todo, o centro educacional paga um prêmio – nome técnico dado ao valor da apólice – de R$ 900,85 anuais e tem uma cobertura de até R$ 160 mil para indenizações, incluindo aí danos morais. Ou seja, em situações de prejuízo, esse é o valor máximo a ser reembolsado pela responsabilidade civil. Mas esse não é a única precaução adotada pelo Miósotis.

Outros seguros

Além do seguro de responsabilidade civil, a escola conta ainda com outros três tipos: o de vida para os funcionários, o de automóveis, para os carros da entidade, e o empresarial, que cobre situações como incêndios, raios, explosões, danos elétricos, desmoronamentos, vendavais, furacões e tumultos. O valor pago por esses dois últimos é de R$ 2.500 e R$ 600,61, respectivamente.

“O seguro empresarial custa uma média de R$ 600 e dá uma cobertura de R$ 300 mil. Fica até irrisório para o benefício que ele traz. Não é pelo valor, porque são bem baratos, mas os seguros empresariais e de responsabilidade civil deveriam ser feitos até por uma questão humana. É você se protegendo, mas, no final das contas, protegendo também outra pessoa, tendo um amparo num caso de acidente”, aponta Diogo Assis.

Para ele, apesar de não serem obrigatórias, proteções do gênero deveriam sempre ser contratadas por instituições como escolas. Isso, porém, acaba não acontecendo por dois motivos. Um deles é uma cultura ainda incipiente no Brasil, onde a preocupação maior é a de segurar objetos e não pessoas ou eventos. O outro é a falta de interesse dos próprios corretores, algo que vem mudando de uns tempos pra cá.

“O seguro de automóveis já virou commodity e isso não acontece com um seguro de vida ou de responsabilidade civil, por exemplo”, diz. “Isso é o que tem gerado a mudança; essa diversificação da carteira, já que o seguro de automóveis não é mais um diferencial, apesar de necessitar de amparo técnico. Hoje ele pode ser contratado desde a agência bancaria até pela internet, o que pode ser muito prejudicial”.

Há mais de dez anos optando por pagar anualmente essas apólices, o fundador do Centro Educacional Miosótis corrobora a fala do profissional. Francês de nascença, Yves Penicault dá a explicação para tanta proteção, apesar de nenhuma delas ser obrigatória pela legislação alagoana: a escolha é mesmo cultural – além, claro, de trazer um baita alívio para quem administra os cinco mil metros quadrados e 150 alunos do colégio.

“Isso é uma segurança para nós, em primeiro lugar. Sou de uma cultura que faz com que a gente tente se precaver, opte por ter uma proteção tanto física quanto financeira em casos de incidentes, como um incêndio, uma explosão, uma criança que se machuca seriamente. Esses seguros são uma proteção para nós e um descanso também para os diretores que trabalham aqui”, conta.

Ele lembra, aliás, de uma das vezes em que precisou do seguro. Foi há mais ou menos cinco anos, quando o nobreak do laboratório de informática teve um curto circuito e quase colocou fogo no lugar. Era um final de semana e ninguém viu o acidente, que, por sorte, acabou sendo bem menor do que poderia. O prejuízo foi apenas de alguns computadores e a seguradora pagou por tudo.

“Poderia ter sido um estrago imenso, mas não foi. Ficou muita fuligem e estragou três computadores. Chegamos na segunda-feira e só fomos perceber à tarde. O prejuízo foi esse, os computadores e mais a sala, que precisou ser reformada, mas o seguro cobriu todos os estragos”, expõe o fundador, que essa semana mesmo precisou acionar a seguradora novamente após um ônibus bater em um dos carros da instituição.

O Centro Educacional Miosótis

Foto: Larissa Bastos

Foto: Larissa Bastos

Nomeado em homenagem a uma pequena flor azul, a miosótis – conhecida também como “não se esqueça de mim” -, o centro educacional veio da cabeça de Wanda e Yves Penicault. Tudo começou há pouco mais de 23 anos, quando os dois saíram da França com destino a Maceió para trabalhar em um dos hotéis da capital alagoana e uma notícia de jornal chamou a atenção da brasileira, nascida em São Paulo.

“Ao chegarmos, minha esposa leu em algumas reportagens que tinha 300 mil crianças fora das escolas porque estavam fora da faixa etária para ingressar no ciclo da educação. Ela era professora universitária de formação e sempre teve essa ideia de ter uma escola para ajudar as crianças carentes a entrarem, apesar de fora da faixa, no ciclo do ensino fundamental”, explica o francês Yves.

 O desejo estava instalado, mas ainda faltavam os meios. Isso mudaria em uma viagem a Europa: foi numa passagem pela Suíça que o casal conheceria, no local onde estava hospedado, um amigo em comum que os levaria à instituição Tirami, que até hoje mantém o projeto. “Conhecemos esses suíços e explicamos a ideia. Eles tinham essa fundação e se mostraram dispostos. Foi assim que começou a aventura”.

De volta ao Brasil, era hora de comprar o terreno – um sítio com cinco mil metros quadrados até então habitado apenas por mata virgem e árvores frutíferas. No espaço, foi construída o que atualmente funciona como uma escola normal, mas voltada para crianças carentes que não conseguem se enquadrar no ensino fundamental por estarem fora da idade regular para as devidas séries.

O Miosótis oferece aulas do 1º ao 5º ano e os jovens não pagam nada para estudar. Lá, eles ainda ganham uniforme e material escolar, além de assistência odontológica e psicológica – um programa de esportes, com atividades como judô e ginástica rítmica, também está sendo implantado. Nesses 23 anos, mais de dois mil deles já passaram pelo centro educacional, que tem todos os professores formados em pedagogia.

Apenas crianças e adolescentes carentes podem estudar na entidade filantrópica e todo ano novos alunos são selecionados nos grotões ao redor. A triagem é feita por assistentes sociais, que percorrem a região visitando as casas dos interessados e conhecendo de perto da realidade de cada família, a maioria delas desestruturada e em situação de extrema vulnerabilidade social.

“Os pais que querem colocar a criança nos procuram e, a parir de novembro, começam as visitas. A assistente social desce nas grotas para ver a casa onde ela mora, a estrutura da família. Os mais carentes são nosso perfil. São crianças que vêm realmente carentes de tudo; de cultura, educação, de tudo”, expõe a diretora Sandra Penicault, que está na instituição há 15 anos.

Além de não pagar para estudar, elas recebem ainda três refeições diárias – café da manhã, lanche e almoço. “Muitas vezes é a única comida que eles têm no dia”, acrescenta a gestora. Eles não ficam durante todo o dia no centro, mas, com o programa de esporte em horário complementar e as demais assistências, acabam tendo algo perto de uma educação em tempo integral.

A evasão existe, mas é baixa – e acontece em especial quando os pais acabam se mudando de bairro ou cidade. Segundo um estudo feito pelo próprio colégio, o público maior é composto de filhos de vendedores ambulantes, pedreiros, vigilantes e lavadeiras, variando de semianalfabetos a pessoas com um grau de instrução. A média salarial varia entre 1/2 e dois salários mínimos.

“Damos um pouco de tudo que podemos para eles, para que possam ter um alicerce bom para a vida. Os primeiros anos do Ensino Fundamental são o alicerce da vida escolar. Essas crianças às vezes chegam ao quinto ano e não sabem ler nem escrever. Isso é grave. Temos um ensino difícil, mas todas as crianças dão conta. Elas saem daqui diferenciadas”, acrescenta Sandra.

Parceria internacional

O custo para manter isso tudo é de cerca de R$ 70 mil por mês, dinheiro que é empregado no pagamento dos 22 funcionários – entre professores, secretária, jardineiros, psicóloga, assistente social – e na manutenção do espaço, alimentação das crianças e fornecimento de uniformes e de atendimento odontológico, que acontece duas vezes por semana na própria sede.

O fundador explica que alunos e pais têm ainda uma assistência jurídica para que possam ingressar em programas sociais do governo e que tudo é feito “sem nenhuma extravagância”. “Com tudo isso e a assistência jurídica, as despesas ficam em volta desses R$ 70 mil, e sem fazermos nenhuma extravagância. Espero que a inflação não destrua isso”, conta Yves, num português quase perfeito e com um riso tímido.

Os recursos são provenientes da fundação Tirami, primeiro com o casal suíço, que ajudou na manutenção por dez anos, e agora com a alemã chamada Gizela VontUpling. “Sempre tivemos essa sorte imensa de ter essas pessoas. O casal faleceu e os filhos não quiseram continuar, então quase fechamos, mas aí essa senhora extraordinária resolveu nos ajudar. Ela não tinha filhos e decidiu ter 150 deles”, afirma Sandra.

Nacionalmente, o Centro Educacional Miosótis ainda possui mais dois doadores – nenhum deles de Maceió. Na capital alagoana, apenas pequenos ajudantes ocasionais em campanhas como a de Dia das Crianças e a de Natal, quando são arrecadados presentes junto a funcionários e amigos para alegrar os jovens que estudam no local. Uma parceria com a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) ajuda na assessoria técnica.

Hoje aos 86 anos, Yves lembra dos esforços das mulher para colocar tudo de pé e conta que o objetivo é dar formação aos alunos, permitir que eles estejam prontos para a vida. “Queremos que as crianças tenham educação e uma formação de cultura no geral. São crianças que saem de um meio com muita dificuldade. Mas temos um ambiente agradável e aprazível, com boas condições para executar um bom trabalho”.

Filha do casal de fundadores, a diretora do colégio se derrete pelo trabalho. “Acho um privilégio, um presente poder tomar conta de um espaço como esse. É uma sorte imensa. Sei que aqui é o lado bom da vida deles. São crianças com problemas de gente grande. Por isso, a gente faz o melhor por elas, faz de tudo por essas crianças”. Inclusive protegê-las.

Fonte: Gazetaweb | Larissa Bastos