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Seguro pirata: mercado marginal da proteção veicular gera prejuízo de R$ 2,4 bi por ano ao Brasil

16 de outubro de 2019

Somente em Alagoas, Sincor estima que 30 associações oferecem esse tipo de serviço

Repórter Janaina Ribeiro

Ubirajara de Moraes Sarmento | Vítima

A proposta é atraente e a vítima nunca consegue perceber que caiu numa armadilha. Convencida de que fez um bom negócio, ela só entenderá que foi enganada quando tentar acionar o suposto benefício e tiver dificuldade ou receber um ‘não’ como resposta. Estamos falando do seguro pirata de autos, que ganhou esse nome porque o serviço, apesar de parecer semelhante ao seguro ofertado pelos corretores credenciados, são considerados falsos por serem vendidos por pessoas ou entidades que não possuem qualquer regulação e nem estão sujeitas as regras da Superintendência de Seguros Privados (Susep), a autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguro, previdência privada aberta e capitalização. Em Alagoas, atualmente existem cerca de 30 associações que vendem esse tipo de proteção veicular. E, em todo o Brasil, estima-se um prejuízo de R$ 2,4 bilhões aos cofres públicos somente nesse segmento.

Ubirajara de Moraes Sarmento, que preferiu não mostrar o rosto, foi vítima do seguro pirata. Recentemente, ele comprou um carro zero e, claro, para se ver protegido de qualquer problema envolvendo o veículo, resolveu contratar uma proteção. O agricultor, que mora em Cacimbinhas, sertão alagoano, já tinha adquirido o serviço por uma seguradora autorizada em anos anteriores, mas, foi seduzido pelo vendedor da concessionária a trocar de empresa e comprar a chamada “proteção veicular”. Para isso, ele precisaria ir até Caruaru, local de uma loja filial da associação Innova Benefícios Sociais – cuja sede era em Minas Gerais. Pelo valor ofertado, valeria a pena a viagem até o estado vizinho.

“Pelo seguro normal eu pagaria R$ 2,1 mil, já pela proteção veicular, R$ 1 mil. Dai pensei: vou economizar R$ 1,1 mil e sair na vantagem. Como a propaganda feita para mim foi só falando dos benefícios, eu não me preocupei em pesquisar e, inocente, contratei o serviço. Só vim me dar conta do prejuízo quando um motoqueiro bateu no meu carro e tive que pagar, do meu próprio bolso, R$ 1,8 mil pelo conserto. Ou seja, o dano total a mim causado foi de R$ 2,8 mil”, contou ele.

“Eu liguei várias vezes para a Innova, mandei a documentação que pediram, mas sempre existia uma desculpa. Insisti por alguns dias, até a associação me dizer que não havia fundo para arcar com as despesas. Então, como eu precisava do meu carro para trabalhar, resolvi pagar o conserto. Até pensei em contratar um advogado, mas ele me pediu R$ 2 mil. Não compensaria pagar R$ 2 mil para receber de volta R$ 1 mil. Desisti e fiquei no prejuízo. Foi quando decidi procurar a minha antiga seguradora e contratar o seguro normal. Nunca mais caí nesse golpe. E agora sei que estou 100% protegido”, acrescentou Ubirajara de Moraes Sarmento.

Sem resposta da Innova 

Numa busca na internet, o site www.suainnova.com.br está desativado. Mas, segundo a vítima, quando da contratação da proteção veicular, a entidade entregou a ele um documento onde se dizia ser uma associação que trabalha com um “programa de assistência recíproca e mutualista de fruição exclusiva dos associados” e que é por meio dessa “cooperação que é possível a contratação coletiva de serviços e a promoção de reparação de eventuais danos sofridos nos veículos ou ressarcimento aos participantes do programa”.

No entanto, no portal www.reclameaqui.com.br, um dos maiores sites do ramo de queixas de consumidores, há mais de 80 reclamações registradas nos mais diferentes estados, a exemplo de Alagoas, Pernambuco, Sergipe, Paraíba, Ceará, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e Santa Catarina. E, para piorar a situação, nenhuma das queixas relacionadas a negativa de pagamento por perda total, proibição de conserto do carro, não cumprimento de prazo, não autorização de locação de carro reserva e mal atendimento foi respondida pela entidade.

Entenda a diferença entre seguro e proteção veicular

O Sindicato dos Corretores de Seguros e de Capitalização, Previdência Privada e de Saúde no Estado de Alagoas (Sincor/AL) assegura que não há qualquer garantia para quem adere a proteção veicular. E são muitas as diferenças entre ela e o seguro normal, sendo a mais importante o fato de, ao contratar uma apólice para proteger o seu carro, o cliente está transferindo todo o risco para a seguradora credenciada. Já na proteção veicular, passa a vigorar o que as associações chamam de ‘mutualismo’, que é um contrato de responsabilidade mútua, onde o risco é compartilhado com os demais associados. Isso significa dizer que as entidades não têm como garantir o pagamento porque o seu caixa vai depender do rateio que precisa ser feito e pago pelos associados.

Outra fundamental diferença é que a proteção veicular não é regida por leis, nem tão pouco tem um órgão que fiscaliza as suas atividades. Portanto, não há garantia técnica dos serviços.

E para que o consumidor não tenha dúvida sobre qual empresa contratar, a Susep informou ao Seguro Notícias que a forma que oferece mais garantia a ele é fazer uma consulta no link http://www.susep.gov.br/menu/informacoes-ao-publico/mercado-supervisonado/entidades-supervisionadas. É por meio desse endereço eletrônico, diz a Superintendência, que o cliente vai se certificar se a empresa é autorizada pela autarquia para vender qualquer tipo de seguro.

E para facilitar melhor o entendimento do leitor, o portal Seguro Notícias preparou uma tabela com essas distinções.

TABELA COMPARATIVA ENTRE SEGURO E PROTEÇÃO VEICULAR

Os dados alarmantes: 4,5 milhões de associados e prejuízo de R$ 9 bilhões 

Estudo recente elaborado pela Federação Nacional dos Corretores de Seguros Privados e de Resseguros, de Capitalização, de Previdência Privada e das Empresas Corretoras de Seguros e de Resseguros (Fenacor) e pela Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg) estima que aproximadamente 4,5 milhões de pessoas têm algum tipo de seguro pirata no Brasil, o que acaba por causar um prejuízo a mais de 80% desses consumidores. Por isso, as entidades, com suas unidades em cada estado, continuam fazendo o alerta à população para que ela entenda que, ao contratar a proteção veicular, o cliente não está adquirindo um seguro amparado legalmente pelas regras do Ministério da Fazenda.

Luiz Gutierrez, CEO da Mapfre (empresa global, especialista em prestação de serviços nos mercados segurador, financeiro, de saúde e assistência) e vice-presidente da FenSeg, explicou que o país precisa tratar desse tema com “seriedade e inteligência” porque o mercado de seguros piratas tem crescido de forma assustadora. “São 4,5 milhões de pessoas que não estão protegidas, muito menos conscientes sobre o assunto. Que fique claro que não estamos querendo atrapalhar o trabalho de ninguém. O que defendemos, na verdade, é que as empresas sigam as mesmas normas dos seguradores, de modo que possam realmente oferecer proteção aos consumidores que adquiriram o serviço”, defendeu ele, durante o 21º Congresso Brasileiro Nacional dos Corretores de Seguros, ocorrido no último final de semana, na Bahia.

Luis Gutierrez – Vice-presidente da FENSEG | Foto: site Mapfre Global Risks

E por falar em consumidores, a Fenacor faz uma alerta para o público mais jovem: essas associações costumam buscar um tipo de perfil específico para vender seus serviços. “São clientes mais novos, com idades que variam entre 18 e 45 anos e com renda abaixo de R$ 7 mil”, detalhou ao Seguro Notícias o presidente da Federação, Armando Vergílio dos Santos Júnior, acrescentando ainda que a incidência maior desse tipo de entidade se dá na região Sudeste, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais e, ainda, em Goiás, no Centro-Oeste.

R$ 9 bilhões 

Segundo a Fenseg, estima-se que esse mercado marginal, que só no ramo da proteção veicular reúne mais ou menos 1.090 associações em todos o país, por não ser regulado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) do Ministério da Fazenda, faz com que R$ 9 bilhões em impostos municipais, estaduais e federais deixem de ser arrecadados por ano em função do não pagamento das tarifas. Já o corretor de seguros, mesmo estando enquadrado no sistema do simples nacional, arca com as despesas do Confins, PIS e ISS. Ou seja, a depender do seu faturamento mensal, ele pode pagar entre 12 e 17% de impostos, sem falar nos encargos trabalhistas, a exemplo do FGTS.

Armando Vergílio, presidente da Fenacor

E desse prejuízo total de R$ 9 bilhões, 27% deles são relativos ao mercado pirata de autos, de acordo com a pesquisa encomendada pela FenSeg e pela Fenacor. Ou seja, o dano aos cofres públicos representam algo em torno de R$ 2,43 bilhões somente neste ramo da pirataria.

O mercado paralelo em Alagoas tem mais de 30 associações (intertítulo)

Em Alagoas, de acordo com dados do Sincor, aproximadamente 30XX associações atuam no mercado de plano de garantia veicular. A AutoMais, a Delta e a Aliança Seguros são algumas delas. O seu_modus operandi_ funciona nos mesmos moldes de qualquer outra associação similar: elas oferecem, a preços mais reduzidos – tem mensalidade a partir de R$ 35,00 -, uma proteção veicular para o motorista. O cliente assina o contrato sob a promessa de que, caso aconteça qualquer problema com o seu veículo, ele ficará supostamente protegido para o valor do conserto ou do novo automóvel, em caso de perda total. E tal despesa será rateada entre todos os associados.

O portal Seguro Notícias se passou por cliente e procurou essas associações. A AutoMais, entidade que fica no bairro da Serraria, diz, em sua página no Facebook, que é a “seguradora que mais cresce no Brasil” e que o serviço da empresa “fará toda a diferença” na hora de dificuldade do consumidor.

Ela também afirma que “busca, de forma inovadora, soluções para a proteção do veículo e do bem estar do associado” e que esses são os dois “principais pilares que impulsionam o seu crescimento”. E continua: “Assim sendo, fique tranquilo e deixe para o especialista cuidar do seu patrimônio. Conte com a Associação que mais cresce no estado e no Nordeste”.

Diante de toda essa propaganda, buscamos informações sobre os serviços ofertados. A funcionária da associação informou que a proteção para moto custa R$ 35,00. Já para carro, a quantia gira em torno de R$ 90 mensais. Segundo ela, apenas uma única diferença existe entre esse tipo de entidade e uma corretora de seguros credenciada: a ausência de fiscalização pela Susep.

A Delta Proteção Veicular, que fica no bairro do Tabuleiro dos Martins, também alegou que não haveria diferença entre a associação e uma corretora de seguros. Inclusive, para tentar convencer a autora desta reportagem que o seu produto era mais vantajoso, o vendedor sugeriu a prática de uma fraude em caso de acidente por embriaguez ao volante. “Se Deus o livre você bater com o carro, sua esposa tem CNH? Não que eu queira lhe induzir pra que isso aconteça, até porque se beber, não dirija. Mas como já aconteceu, cliente meu bateu o carro num muro próximo a casa dele. O carro acabou a frente toda. Se o pessoal da perícia tivesse chegado antes, o seguro não teria coberto por conta de embriaguez ao volante, que é um dos motivos pra não haver cobertura. Só que pedi pra esposa dele ir responder como se fosse ela que tivesse batido. O carro dele hoje está mais novo que antes”, disse o funcionário sem nenhum constrangimento, como se não estivesse sugerindo um golpe contra o Código Brasileiro de Trânsito.

Já a Aliança Seguros fica em Arapiraca. É a maior entidade desse segmento no interior de Alagoas. Ela também admitiu ser uma associação e que não é fiscalizada pela Susep. Porém, reconheceu que, mesmo assim, vende o serviço. A proteção de carro custa a partir de R$ 60,00 por mês e, de moto, R$ 36,00.

Sincor/AL reforça o alerta para que consumidores não caiam no golpe

O Sincor/AL, claro, ratifica todas as advertências feitas pela Fenacor e pela FenSeg e reforça que, de fato, inexiste a relação de consumo entre a cooperativa e o cliente. “O serviço costuma ser ilegal e atrapalha muito o trabalho dos corretores que seguem a lei. Essas associações vendem o produto falando que é igual a um seguro, mas na verdade não é. Proteção veicular não é seguro, jamais será. É um produto pirata, é um produto falso. Infelizmente, aqui no estado esse é um tipo de praga que está se proliferando. Antigamente, elas só existiam em Maceió. Mas, agora, elas já estão espalhadas por vários interiores, principalmente Arapiraca, União dos Palmares, Palmeira dos Índios e Santana do Ipanema. São dezenas delas, mais de 30, que praticam esse tipo de atividade. E isso vem  complicando demais o nosso mercado”, afirmou o presidente da entidade, Edmilson Ribeiro.

O Sindicato também informou que os ramos mais atingidos por esse mercado ilegal é o de carros leves, motocicletas e caminhões. “Esse pessoal atua muito no interior de Alagoas e isso ocorre, especialmente, em razão da falta de informação das pessoas. E dentre os veículos que mais possuem esse tipo de proteção, estão as motos e os caminhões. Para se ver uma ideia, a depender do caminhão, o seguro legal pode custar até R$ 15 mil. Mas aí as associações seduzem os motoristas oferecendo parcela de R$ 400 mensais. Só que, não se enganem, esse tipo de serviço não dá garantia de absolutamente nada”,informou.

Edmilson Ribeiro, presidente do Sincor/AL

Edmilson Ribeiro disse ainda que o Sincor tem recebido sucessivas denúncias contra essas entidades. “As reclamações são muitas, porém, lamentavelmente, o Sincor não pode aplicar nenhum tipo de punição porque estamos falando de associações que não são submetidas a nenhuma legislação. Elas não existem para a lei brasileira. Ou seja, o que a gente acaba orientando é que as vítimas procurem, de fato, as entidades que venderam o serviço. E isso significa dizer que elas vão continuar amargando o prejuízo. E tem mais: se essa associação fechar as portas ou se mudar de cidade, o cliente não tem a quem recorrer porque não existe um órgão regulador ou fiscalizador ao qual ela é submetida. É essa gravidade que as pessoas precisam entender”, assegurou ele.

E sobre os valores cobrados serem mais baratos, o Sincor chama a atenção da população: “Como não pagam quase nada de impostos, é claro que essas pessoas podem vender mais barato. Entretanto, fica mais uma vez o nosso aconselhamento para que ninguém caia nessa cilada. É sempre importante lembrar que o seguro legal protege o cliente de furtos, roubos, incêndios, acidentes e ainda cobre o prejuízo de terceiros por causa do contrato de responsabilidade civil. Além disso, para os casos de conserto, o serviço será feito nas concessionárias ou nas oficinas referenciadas e você ainda poderá ter direito a um cargo reserva. Sem falar que o corretor está 24 horas à disposição do cliente e, na hora de vender o serviço, vai procurar a melhor companhia de seguros, de acordo com o seu perfil, idade, tipo de carro, que são preocupações que as associações não têm. Portanto, seguro não é despesa, é necessidade e garantia de tranquilidade para o consumidor”, finalizou o presidente do Sincor.