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O novo regime de resoluções de instituições financeiras

12 de março de 2020

*Por Marcelo Godke

O mundo de hoje é conectado pela tecnologia, mas o direito brasileiro é insuficiente para lidar com novos desafios. Sob vários aspectos, o direito brasileiro encontra-se em clara “path dependence”, em que decisões tomadas hoje são fruto de outras do passado. Exemplo claro disso é a legislação que lida com a intervenção e a liquidação de instituições financeiras.

Instituições financeiras são agentes econômicos que vivem de gerenciar risco. Estão sempre alavancadas, pois, além de trabalhar com um pouco de capital próprio, usam muito o de terceiros. Muito comumente, tomam recursos no curto prazo para emprestar no longo. Tal gerenciamento não é fácil e, mesmo em caso de pequenos erros estratégicos, a derrocada pode ser inevitável.

Além disso, os bancos trabalham com dinheiro de muita gente. São entes cujo desmantelamento pode, ao menos em tese, colocar em risco muitos outros agentes econômicos. É o chamado “risco sistêmico”. Por isso, merecem atenção especial do legislador e foram criados regimes legais e regulatórios específicos para tentar lidar com problemas que as instituições financeiras podem passar. Especialmente no que diz respeito aos regimes de intervenção, administração especial temporária e liquidação, estamos presos à path dependence. Institutos jurídicos editados há várias décadas não mais atendem as necessidades de um mercado financeiro cada vez mais moderno.

O atual regime, que deveria permitir salvar as instituições financeiras viáveis e liquidar rapidamente as inviáveis, não é capaz de cumprir adequadamente as funções para as quais foi criado. Para dizer a verdade, nunca foi.

Instituições financeiras em crise, mas viáveis, raramente são salvas. As que merecem ser liquidadas entram em verdadeiro limbo jurídico e lá permanecem por décadas, inclusive prejudicando severamente depositantes e investidores, que são justamente as pessoas que investiram e acreditaram na viabilidade da empresa como um todo.

Por questão de eficiência, bancos deveriam ser sempre liquidados extrajudicialmente, mas a jurisprudência já se consolidou no sentido de que podem ter a falência judicialmente decretada.

Por conta de todos os problemas vistos e como maneira de mitigar a path dependence, foi proposto o Projeto de Lei Complementar PLP nº 281/2019, que, se aprovado, alinhará o Brasil aos demais países do G-20 e aos modernos padrões de regimes de resolução de instituições financeiras.

O referido projeto de lei embasa-se nos “Atributos-Chave de Regimes Efetivos de Resolução de Instituições Financeiras”, que estabelecem doze princípios a serem observados, com o intuito de preservar a estabilidade e evitar sobressaltos à economia “real” em caso de crises bancárias. A principal ideia que embasa o regime proposto é que recursos públicos somente deveriam ser utilizados na tentativa de socorrer instituições financeiras após tentativas terem sido feitas à exaustão com dinheiro privado. Ademais, a celeridade na resolução dos referidos agentes econômicos também se torna aspectos primordial.

O projeto de lei é bem elaborado. Tem mais de 150 artigos e abraça modernos princípios da resolução de instituições financeiras em crise. Notadamente, podem ser citados: (i) cria regime unificado para (a) bancos e instituições assemelhadas; (b) entidades operadoras de infraestrutura do mercado financeiro; (c) entidades administradoras de bolsas de valores e dos mercados de balcão organizados; (d) sociedades seguradoras e assemelhadas; e (e) pessoas jurídicas que mantenham “vínculo de interesse” com outras pessoas jurídicas sujeitos ao novo regime.

Serão consideradas “Autoridades de Resolução” com amplos poderes para decidir aplicar um dos dois regimes previstos (de “estabilização” ou de “liquidação compulsória”), além do Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e a Superintendência de Seguros Privados, dentro de suas respectivas áreas atuação.

De acordo com o projeto de lei, o regime de “estabilização” — que permitirá a manutenção da atividades, mesmo que de maneira parcial – será mais adequado em casos de risco sistêmico, em que exista grande ameaça para a economia como um todo em caso de paralização imediata das atividades da instituição em crise. Já o regime de “liquidação” — que levará ao encerramento das atividades – deverá ser adotado quando não se constatar a existência de risco sistêmico.

Um outro importante paradigma a ser alterado diz respeito à responsabilização dos administradores de instituições financeiras. Com base no artigo 40 da Lei nº 6.024/74, os referidos administradores são solidariamente responsáveis pelo passivo a descoberto das instituições financeiras que administraram (limitado ao período em que mantiveram tal posição).

O novo regime prevê a responsabilização somente nos caso de exercerem seus poderes e atribuições com violação de norma legal, regulamentar, estatutária, bem como em caso de culpa ou dolo no exercício das funções. O regime de responsabilidade solidária de controladores não será alterado na nova lei.

O novo regime será muito importante para que se quebre a path dependence e o Brasil tenha um regime mais eficiente para intervenção e liquidação de instituições financeiras e assemelhadas, colocando o país no rumo de outros países com legislações mais avançadas.

Marcelo Godke é sócio de Godke Advogados. Mestre em Direito pela Universiteit Leiden. Mestre em Direito pela Columbia Law School. Professor do CEU Law School, da FAAP e do Insper.