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A indenização de seguro nos casos de embriaguez

07 de dezembro de 2015

Advogada Cirlene Silva Siqueira

Advogada Cirlene Silva Siqueira

A perda do direito à indenização ao segurado que em estado de embriaguez se envolveu em acidente de automóvel não é consenso na Justiça. A divergência está na interpretação do agravamento de risco.

“Se beber não dirija”. Este é o famoso slogan da campanha de conscientização contra o álcool no trânsito, embasada na Lei 12.760/2012, que alterou o Código Brasileiro de Trânsito. A conhecida “Lei Seca” aumentou o rigor contra o motorista que beber e dirigir e fez cair o número de acidentes de trânsito nos últimos anos. Entretanto, muitos condutores ainda ignoram a lei ao misturar álcool e volante e, não raro, se envolvem em acidentes.

A questão é: O segurado alcoolizado que se envolve em acidente de trânsito tem direito à indenização do seguro? O ato de beber e dirigir poderia ser considerado, do ponto de vista legal, agravamento de risco e, consequentemente, configurar a perda do direito à cobertura do seguro?

Com base nos artigos 757 e seguintes do Código Civil, o Contrato de Seguro prevê a indenização ao segurado por sinistro ocorrido dentro dos limites convencionados na apólice. Tais limites são estabelecidos pelos riscos contratados (objeto do seguro) e os pelos riscos excluídos (hipóteses não cobertas pelo seguro). Também não haverá cobertura securitária se o segurado agir com dolo, má-fé ou agravar o risco.

O artigo 768 do Código Civil estabelece que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”.

O agravamento de risco nada mais é do que circunstâncias que aumentam a probabilidade da ocorrência do risco, independentemente da vontade do segurado. Mas, a interpretação da intencionalidade é controversa nos tribunais. Nos últimos anos, ganhou força a tese de que o simples ato de beber não configura a intenção do motorista de agravar o risco, ou seja, de contribuir para a ocorrência do acidente.

O fundamento para esta tese está no nexo causal. Significa que, para negar a indenização com base no agravamento de risco, a seguradora teria de comprovar, primeiramente, o estado de embriaguez do condutor no momento do fato e, ainda, que esta condição foi fator decisivo para a ocorrência do sinistro.

É o que se extrai de alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça, como o citado a seguir:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VEÍCULO. ACIDENTE. MOTORISTA EMBRIAGADO. AGRAVAMENTO DO RISCO. NÃO COMPROVAÇÃO. COBERTURA. OBRIGAÇÃO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. JUROS DE MORA. RESPONSABILIDADE. SEGURADORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. ENTENDIMENTO ADOTADO NESTA CORTE. VERBETE 83 DA SÚMULA DO STJ. NÃO PROVIMENTO.

1. A embriaguez, por si só, não configura a exclusão da cobertura securitária em caso de acidente de trânsito, ficando condicionada a perda da indenização à constatação de que foi causa determinante para a ocorrência do sinistro. Precedentes.(STJ – AgRg no AREsp 617627 / SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 14ª Turma, julgado em 01/10/015, DJe 08/10/2015)”.

O Tribunal de Justiça de São Paulo também tem adotado a mesma linha em alguns de seus julgados, embora em menor escala, entendendo que o simples fato de o segurado estar alcoolizado no momento do sinistro não revela que o seu estado de embriaguez foi fator determinante para a ocorrência do sinistro:

“SEGURO DE VEÍCULO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – MORTE DO SEGURADO – Recusa da seguradora ao pagamento da indenização reclamada pela beneficiária – Recusa injustificada – Estado de embriaguez do segurado – Fato que, por si só, não retira o direito à indenização – Ausência de prova de que eventual embriaguez do segurado foi a causa determinante do acidente – Agravamento do risco não demonstrado – Ônus da prova que incumbia a ré, nos termos do art. 333, inciso II, do Código de Processo Civil – Indenização devida – Decisão mantida – Recurso desprovido. (TJSP – Apelação 0000346-17.2014.8.26.0274, Rel. Des. Claudio Hamilton, 25º Câmara de Dir. Privado, julgado em 12.11.2015)”

Para caracterizar o agravamento intencional do risco deveria haver o dolo do segurado em embriagar-se com tal propósito:

“Ementa: Além da “condição determinante para a ocorrência do sinistro”, o agravamento, hoje e desde janeiro de 2003, para excluir a obrigação da seguradora, exige conduta intencional do segurado, o embriagar-se ou o entorpecer-se com o dolo, com a intenção de agravar o risco, não bastando mera culpa. Condena-se, pois, a seguradora ao pagamento da indenização prometida na apólice, acolhendo-se os embargos infringentes. (TJSP – Emb. Infringentes 0024562-06.2011.8.26.0320, Rel. Des. Celso Pimentel, 28ª Câmara de Dir. Privado, julgado em 20.10.2015)”

Nota-se uma crescente tendência em nossos tribunais de seguir a linha estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor quanto à limitação da existência de cláusulas restritivas, em especial nos contratos de seguros, em obediência ao princípio da transparência.

Seguros de pessoas e seguros de danos

No tocante aos seguros de pessoas e seguros de danos, a Susep (Superintendência de Seguros Privados) orientou, por meio da Circular nº 8/2007, sobre as alterações que as sociedades seguradoras deveriam promover nas Condições Gerais das Apólices:

“(…)

1. Nos Seguros de Pessoas e Seguros de Danos, é VEDADA A EXCLUSÃO DE COBERTURA na hipótese de “sinistros ou acidente decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas”.

(…)”

A Susep concluiu que, nos seguros de pessoas e de danos, os atos praticados pelo segurado sob o efeito do álcool, por si só, não podem ser causa de exclusão de cobertura.

Sem embargo, a tendência de nossa jurisprudência é a de empregar aos seguros de pessoas e de danos o mesmo entendimento aplicado aos seguros de automóvel. No caso, por exemplo, de acidente fatal envolvendo segurado embriagado em situação de pedestre, dever-se-ia também comprovar o nexo de causalidade entre o estado etílico e a causa da morte para buscar o afastamento da cobertura securitária. Vejamos:

SEGURO DE VIDA EM GRUPO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – MORTE DO SEGURADO VÍTIMA DE ATROPELAMENTO – RECUSA DA SEGURADORA AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO RECLAMADA PELA BENEFICIÁRIA – RECUSA INJUSTIFICADA – ESTADO DE EMBRIAGUEZ DO SEGURADO NÃO PROVADO NOS AUTOS – FATO QUE, POR SI SÓ, NÃO RETIRARIA O DIREITO À INDENIZAÇÃO – AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A EVENTUAL EMBRIAGUEZ DO SEGURADO FOI A CAUSA DETERMINANTE DO ACIDENTE – AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO DEMONSTRADO – ÔNUS DA PROVA, ADEMAIS, QUE INCUMBIA À RÉ, NOS TERMOS DO ART. 333, INCISO II DO CPC – INDENIZAÇÃO DEVIDA – PRECEDENTES DO STJ ADEQUAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DA APÓLICE – REDUÇÃO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. – Recurso provido em parte.” (TJSP – Ap. Cível nº 0022178-57.2010.8.26.0562, rel. Des. Edgard Rosa, j. em 26/09/2012)

Nesse contexto, é possível equiparar a questão aos casos de suicídio, em que somente será excluída a cobertura se for comprovada a premeditação. De tal sorte, também seria imprescindível a comprovação de que a embriaguez foi o fator determinante para o sinistro para, dessa forma, resultar na exclusão de cobertura.

Entretanto, o tema ainda é controverso, pois existem julgados que admitem que o simples fato de estar o segurado embriagado no momento do sinistro já bastaria para configurar agravamento de risco e, consequentemente, existir a condição para perda da cobertura securitária. Isso porque, caberia ao segurado abster-se de condutas perigosas, como, por exemplo, a de “beber e dirigir”.

Portanto, é importante analisar as peculiaridades de cada caso para concluir pela recusa ou não da indenização securitária, pois, a tendência de nossos tribunais é exigir a prova do nexo de causalidade entre a embriaguez e o sinistro para que se possa configurar a perda de cobertura.

Cirlene Silva Siqueira é titular do escritório Silva Siqueira Advocacia. Profissional do setor de seguros há 20 anos, atuou no escritório Prado Saraiva Advogados Associados e foi consultora independente na área da indústria no Chile, nos últimos cinco anos. Atualmente, é assessora da Associação Paulista dos Técnicos de Seguro (APTS) e membro da Associação Internacional de Direito do Seguro (AIDA).